Marco Aurélio de Carvalho *
No dia 17 de Maio último, o Diário Oficial oficializou a exoneração do presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), jornalista Ricardo Melo, quebrando um mandato protegido pela Lei 11.652/09. O governo interino, que hoje já comanda o Conselho de Administração da EBC (mas é minoritário em seu Conselho Curador), pretendia colocar na direção da empresa um dirigente de confiança do deputado Eduardo Cunha.
O intento foi frustrado pelo Ministro Dias Tóffoli, do Supremo Tribunal Federal, ao conceder liminar a mandado de segurança determinando o retorno de Ricardo Melo às suas funções. O que se observa desde então é que a frustração com a decisão também parece compartilhada por veículos da imprensa privada, em um esforço sincronizado para desqualificar a EBC.
Em nenhum momento a imprensa se debruçou sobre o fato de que o mais alto mandatário da República, em sua interinidade como chefe de Estado, e em pleno processo de impeatchment, violou a lei que deveria preservar. Pelo contrário, editoriais e matérias sem fonte assumida passaram a advogar pelo fechamento da EBC ou de sua emissora de televisão, a TV Brasil.
O comportamento é também questionável pelo fato de que os jornais que se manifestam contra a EBC são captadores de verbas publicitárias junto ao governo federal. São recursos que passam pelos mesmos canais que vinculam a Presidência da República à EBC, através de sua Secretaria de Comunicação.
Para a mídia privada, trata-se de concorrência. Conforme o jornal Folha de S. Paulo: Já se contam na casa dos bilhões os gastos anuais da União e de suas estatais com publicidade. Usam e abusam do pretexto de que lhes cabe informar a população de seus atos, realizar campanhas de interesse público e, no caso das empresas públicas, competir com concorrentes do setor privado.
Fechar a EBC não vai resolver o incômodo do setor privado, a menos que se mude não apenas a Lei que a criou, mas também a Constituição, no caput do artigo 223 que determina a complementariedade entre os sistema público, privado e estatal, e as convenções assinadas pelo Brasil. Da Carta Magna às relações internacionais, o Brasil tem compromisso em viabilizar o terceiro segmento do sistema de comunicação no País - justamente o sistema público de comunicação, em complementaridade aos setores governamentais e do mercado de mídia.
A EBC, criada em 2008, é a mais importante e ousada experiência de comunicação pública brasileira e precisa de todos os setores da sociedade, inclusive da mídia privada, para defendê-la,vigiá-la e consolidá-la. O editorial da Folha de São Paulo chama a TV Brasil de TV Chapa Branca. Pelo contrário, é a tela mais diversa da rede brasileira, com direito a desenhos com personagens negros, peixinhos que nadam no Rio Amazonas e a programas sob comando e olhar de artistas LGBTT. Antes de ser a TV Chapa Branca, é a TV Negra, a TV Arcoíres, e a TV cujos conteúdos obedecem a diretrizes de um Conselho Curador onde a maioria é indicada pela sociedade civil. Alí estão indígenas, artistas, pesquisadores, mas também governo, Congresso e trabalhadores
Enquanto a lei da radiodifusão não se moderniza, enquanto a grande imprensa privada praticamente se repete nas abordagens da vida nacional, e o país não dispõe de um organismo de participação social no sistema de comunicação, a preservação da existência da EBC é mais importante do que o uso das verbas publicitárias do governo para alimentar o setor privado. Se nas regras brasileiras a situação é inversa, privilegiando os veículos comerciais, seus editorialistas deveriam observar pelo menos alguns limites éticos.
Defender a derrubada a EBC, que é pública, para livrar-se da concorrência com a própria sociedade, é no mínimo constrangedor
*Marco Aurélio é advogado, representante do Sindicato dos Advogados de São Paulo, especializado em Direito Público, sócio e fundador da Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho. Artigo publicado em junho de 2016, diante dos ataques à EBC e, em particular, do editorial publicado na Folha de S. Paulo, chamando a EBC de Canal Chapa Branca.