Nota Pública: O fim do último espaço de participação e controle social da EBC

24 de setembro de 2018

Após o fim do mandato de Joseti Marques à frente da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no começo de março, o último espaço que restava na empresa de comunicação pública para participação e controle social veio à míngua. Como já havíamos alertado em abril, o cargo foi ocupado sem a preocupação com a qualidade do trabalho fundamental exercido pela Ouvidoria da EBC, que se tornou ainda mais importante após a extinção do Conselho Curador.

O Conselho Curador havia orientado, em 2014, que a função primordial da Ouvidoria é a “exercer a crítica interna da programação e observar os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública”, o que, portanto, “exige autonomia real frente a presidência” da empresa.

Na ocasião, o colegiado traçou um perfil desejável para o ou a ocupante do cargo de ouvidor ou ouvidora da EBC: ter notório saber nas áreas concernentes ao trabalho, com preferência para conhecimento em jornalismo e deontologia jornalística, sem ignorar a importância artística, cultural e educativa dos veículos da empresa, bem como ter experiência em análise de pesquisas.

Se a ouvidora que saiu deixou recomendações sobre a “abordagem oficialista dos fatos e o constrangimento em noticiar assuntos incômodos para o governo federal e suas autoridades”, nos relatórios seguintes o tema foi totalmente esquecido. Outra prática abandonada foi a própria Coluna da Ouvidoria, onde a ouvidora fazia análises públicas do conteúdos dos veículos. Este era o único espaço mais acessível e direto do público com o trabalho da ouvidoria, já que a EBC não oferecia condições para a realização dos Programas da Ouvidoria previstos na lei, para serem veiculados na TV Brasil e nas rádios.

Relatórios

Após as mudanças e a entrada de uma ouvidora interina, percebemos claramente que a Ouvidoria deixou de cumprir com a função descrita na lei da EBC, de “exercer a crítica interna da programação”. Se desde março a análise da programação vinha tendo a cada relatório menos espaço e consistência, no relatório de agosto essa parte simplesmente desapareceu, restando um mero recorte das manifestações do público.

Das análises embasadas, apontando onde a EBC acertou enquanto comunicação pública e, principalmente, onde deixou a desejar, o Relatório da Ouvidoria passou a apontar pequenos deslizes sem importância editorial, como links errados, erros de digitação em textos, pequenos problemas técnicos na TV e até comentários totalmente infundados e meramente opinativos, como o de que trilha sonora distrairia o ouvinte em matérias de rádio.

O relatório traz também notas que parecem propaganda da gestão, como uma nova antena em São Paulo, prêmio recebido e entrevista que os veículos fizeram com o presidente Temer, em maio. Na análise dessa entrevista, é feita apenas a descrição resumida do que o presidente respondeu, trazendo dados adicionais para embasar as declarações dele, nunca para contrapor.

No relatório de junho, equanto a Agência Brasil passava por denúncias de uso político e desrespeito ao Manual de Jornalismo, com publicação de editoriais e matérias sem apuração, o destaque do relatório foi uma entrevista do Temer ao programa Corredores do Poder. Sem análise crítica, só com um resumo do que ele disse. Nesse mês, a única “análise” sobre a Agência foi apontar uma matéria com chamada duplicada na capa.

Nos últimos meses, apesar de as estatísticas de atendimento pela Ouvidoria trazerem mais de 40% de reclamações ante 7% de elogios entre as manifestações do público, os relatórios trazem basicamente os elogios e pedidos de informação sobre a programação ou sinal, além de apontamento de erros de informação ou digitação.

Um problema que persiste e se aprofundou foram os muitos pedidos de ampliação de sinal para cidades ainda sem cobertura e reclamação de locais que tinham retransmissoras digitais e foram desligadas, como Minas Gerais. Outra reclamação recorrente é sobre mudanças na programação da TV e das Rádios.

Golpistas na Ouvidoria

No começo de setembro, fomos surpreendidos com a nomeação de Christiane Samarco como ouvidora-geral e Lourival Macedo como ouvidor adjunto. Samarco era a diretora-geral da EBC, tendo trocado de cargo, e Macedo exerceu o cargo de diretor de Jornalismo no governo golpista até junho, mesmo tendo se desligado da empresa em março pelo Programa de Demissão Voluntária.

É lamentável que o único espaço de participação social e análise de conteúdo por parte da sociedade sobre o trabalho da EBC tenha sido reduzido a um recorte tendencioso no conjunto de mensagens do público. Agora, com a entrada na Ouvidoria de ex-diretores golpistas que contribuíram ativamente para o desmonte do caráter público da empresa, a sociedade tende a ser completamente excluída de sua participação na EBC. O caso é muito preocupante, já que a ouvidora-geral tem mandato de dois anos garantido por lei. Ou seja, mesmo com a troca de governo em janeiro, ela permanece no cargo até setembro de 2020, se assim desejar.

O canal para receber sugestões, elogios e reclamações continua aberto de maneira pró-forma, mas nada se pode esperar no sentido de uma atuação isenta, independente e construtiva, que contribua para a consolidação da comunicação pública no país.

Conselho Curador - cassado - em resistência pela EBC

Contatos com o Conselho: conselhocurador.cassado@gmail.com