O desmonte da EBC: um ano depois
Hoje (1) completa-se um ano da publicação da Medida Provisória 744, que reestruturou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Na prática, foi o fim do projeto de comunicação pública do país, com a retirada da sociedade de qualquer participação na empresa, por meio da extinção do Conselho Curador. A tentativa de autonomia do governo também foi extirpada, vinculando a EBC à Casa Civil da Presidência da República e a nomeação e demissão do diretor-presidente ao sabor do mandatário do país.
Nesse período, o golpe veio a galope. Demissão de ocupantes de cargos, perseguição a trabalhadores e censura foram denunciadas pelas entidades representativas e pelos trabalhadores, como na carta aberta aprovada em assembleia em março. Mudança de repórteres setoristas de área de cobertura também foram alvo de crítica em junho. E, em agosto, o fim do projeto de regionalização da cobertura jornalística com a retirada, também à revelia, dos correspondentes nacionais.
As notícias chegam aos funcionários apenas por meio de portarias publicadas. Troca de chefias, mudanças de setores, retirada de cargos. Tudo é feito sem que os trabalhadores sejam ao menos informados das mudanças que os afetam diretamente. O clima interno é tão ruim que, só em 2017, já foram mais de 40 pedidos de demissão. Não há transparência nas concessões de licenças e cessão de empregados. Muitos que estavam cedidos foram obrigados a voltar para a EBC, contra a sua vontade, enquanto outros puderam manter suas funções fora da empresa.
O Conselho de Administração tem mudado as regras e normas da empresa para “legalizar” procedimentos que atentam contra a moralidade pública, como o uso de cargos de assessoria para exercer funções finalísticas da empresa e o credenciamento que permite a terceirização irrestrita.
Os escândalos sobre a EBC ganharam a mídia. Teve presidente recebendo sem trabalhar, superintendente contratando nora e aumento de salário da diretoria acima do teto constitucional. Agora, sem aviso aos funcionários, surgem notícias de que as TVs pública e a estatal serão unificadas, bem como ministro anunciando a demissão em massa na empresa.
A intervenção na EBC também foi destaque nas páginas internacionais, com menção ao caso no Ranking de Liberdade de Imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteira e em relatório de direitos humanos da ONU sobre Liberdade de Expressão.
Quanto ao conteúdo, o direcionamento tem ido no sentido contrário do preconizado pelo então recém empossado diretor de jornalismo, Lourival Macedo, em artigo na Folha de São Paulo ainda durante a interinidade do governo Temer: “Ao assumir a diretoria, recebi apenas uma orientação. O diretor-presidente Laerte Rimoli (...) garantiu-me que o petismo não cederia lugar ao peemedebismo, ao tucanismo ou a qualquer outro ‘ismo’ que não o jornalismo e o profissionalismo. Foi o que me convenceu a aceitar a missão”.
A Ouvidoria da EBC tem apontado em seus relatórios, repetidamente, o excesso de governismo em pautas, matérias e, principalmente, novos programas da TV, como o Corredores do Poder, que se prestam a fazer defesa incondicional das propostas do governo, sem questionamento nem contraponto.
Enquanto ressalta a função pública da Rádio Nacional da Amazônia, único meio de comunicação para muitas comunidades do norte do país, com destaque no especial produzido para comemorar os 40 anos da emissora, a EBC mantém a rádio sem sinal desde março, por problema no transmissor, como também apontado pela Ouvidoria.
O desrespeito ao telespectador e à sociedade pôde ser constatada, ainda, com o desligamento do sinal analógico da TV aberta em abril, que alterou a recepção da TV Brasil via antena parabólica e deixou milhares de telespectadores às escuras. A falta de informação sobre a necessidade de adquirir um receptor para o sinal digital levou a um aumento de 56% nos chamados recebidos pela Ouvidoria.
A MP 744 foi convertida na lei no 13.417, de 1o de março de 2017 e no dia 29 de agosto a Câmara dos Deputados manteve todos os vetos presidenciais às mudanças que o próprio Congresso aprovou na tentativa de salvar na lei um pouco do que restava de comunicação pública. Tinham sido colocados uma sabatina no Senado do diretor-presidente da empresa e restabelecido um Comitê Editorial consultivo e deliberativo, para substituir o Conselho Curador, com algumas funções como discutir sobre os planos editoriais e sobre conteúdos. O veto retirou a sabatina e deixou o Comitê com funções meramente figurativas. Agora foi sedimentada a pá de cal sobre o projeto de comunicação pública do Brasil.
Nós, membros do Conselho Curador cassado pela MP 744, julgamos ser nosso dever denunciar à sociedade brasileira o desmonte da EBC em afronta direta ao que determina a Constituição de 1988 e confiamos que o Supremo Tribunal Federal reconheça a inconstitucionalidade das ações contra a comunicação pública, que vem sendo perpetradas por um governo ilegítimo, ao longo do último ano.
Seguimos na luta!
Conselho Curador cassado da EBC e ex-conselheiros da EBC