Medida de Temer é contra caráter público da EBC, afirma Ministério Público (07/10/2016)

30 de janeiro de 2017

Nota enviada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ao Congresso diz que MP 744, que extingue Conselho da Empresa Brasil de Comunicação, fere Constituição

A Medida Provisória que extingue o Conselho Curador e coloca o cargo de diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) baixo decisões do presidente da República, MP 744/2016, foi avaliada como inconstitucional pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que faz parte do Ministério Público Federal (MPF). A nota técnica com essa análise foi enviada ao Congresso Nacional na sexta feira (7).

A EBC vem sendo foco de polêmicas desde o mandato interino até o atual governo de Michel Temer (PMDB). Isso porque o presidente não-eleito insiste em tentar mudar a direção da empresa de comunicação e o seu caráter público – ou seja, autônomo em relação ao Poder Executivo.

A última cartada de Temer foi enviar, no dia 1º de setembro, a Medida Provisória 744 para o Congresso. Com validade de 90 dias até ser votada pelos parlamentares, a MP promove mudanças estruturais na EBC, que atingem o seu caráter público e o controle da sociedade sobre ela, como aponta a nota técnica.

Confira a versão em áudio da reportagem (para baixar o arquivo, clique na seta à esquerda do botão compartilhar):

Os membros do Ministério Público afirmam que uma das intenções da MP 744 é “enfraquecer a autonomia na formulação da linha editorial e da programação da emissora, buscando, assim, torná-la mais vulnerável em face do mercado e, em especial, do Poder Executivo”.

Além disso, a nota aponta que “como consequência da fragilização estrutural produzida, abre-se o espaço para a prática da ‘censura de natureza política, ideológica e artística’, tanto pela definição da linha editorial e da programação na perspectiva dos interesses dos governantes, quanto pelo silenciamento de vozes que ousem divergir do governo”.

Avaliações

Para Bia Barbosa, da Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, “a nota comprova e reforça uma avaliação que a sociedade civil já vem fazendo de que essa medida provisória é totalmente inconstitucional”. Ela indica que a nota será mais um documento utilizado pela Frente para explicar aos senadores e deputados de que a medida não é cabível em termos constitucionais, e que é necessário alterá-la.

No mesmo sentido opina a representante dos trabalhadores no Conselho Curador da EBC, Akemi Nitahara, que afirma que esta instância tem a mesma visão expressada pelo Ministério Público. “Além do tema não ter urgência ou relevância que justifique uma MP, a medida do governo retira todo o caráter público da EBC, contrariando a complementaridade do sistema previsto na Constituição Federal”.

Akemi também sinaliza que a estratégia será a de “trabalhar junto aos partidos políticos que apoiam a causa da democratização da mídia e a da comunicação pública para entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a medida”.

“Essa nota já é uma sinalização de uma posição que o Ministério Público Federal pode vir a adotar, caso a medida provisória seja aprovada e seja judicializada”, analisa Bia Barbosa.

Por que inconstitucional?

O Grupo de Trabalho Comunicação Social da PFDC, responsável por elaborar a nota técnica, lista os argumentos de inconstitucionalidade da MP 744. Entre eles, está o fato que as mudanças propostas, como a de acabar com o Conselho Curador e com a garantia do mandato de diretor-presidente da EBC, não são justificáveis como medida provisória.

“Além de não ser urgente a medida legislativa excepcional, não há a necessária relevância, a justificar tão abrupta intervenção do Poder Executivo”, diz a nota; que ainda explica que uma medida provisória deve ser aplicada quando a demora na sua produção leva a um quadro em que o interesse público sofre um dano de difícil ou impossível reparação; o que não seria o caso. Assim, há a violação dos artigos 62 e 2º da Constituição Federal.

Na nota, ainda se argumenta: “Onde residiria a urgência constitucional de reformulação da estrutura de uma empresa pública que vem desenvolvendo, na mais absoluta normalidade, suas atividades? Quer nos parecer que, mais uma vez, estamos diante da utilização indevida do instrumento excepcional da medida provisória”.

Outro ponto trazido pela nota é em relação ao pretexto de criação da MP 744, que seria “agilizar as decisões no âmbito da EBC”. Segundo o Ministério Público, a lei que rege a EBC, Lei nº 11.652/2008, responde positivamente aos dispositivos constitucionais, trazendo a participação da sociedade civil no controle da aplicação e funcionamento da empresa pública, como fica evidenciado na composição do seu Conselho Curador.

“A existência do Conselho Curador, com participação majoritária de representantes da sociedade civil, fiador do caráter democrático e do cumprimento das funções constitucionais da comunicação pública, foi tratado como simples obstáculo à obtenção da eficiência administrativa. Eficiência para quem? Eficiência para que?”, questionam os membros do MPF.

Neste último caso e em outros, a nota técnica indica que no funcionamento da EBC vinha sendo cumprido o artigo 220 da Constituição Federal (“a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”).

Já a MP 744 vai contra essa lógica e “ofende o disposto no § 1º do art. 220 (‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV’), pois se retira a possibilidade material de serem veiculadas informações jornalísticas que possam contrariar os interesses dos governantes, já que não se conta mais com a presença institucionalizada da sociedade civil”.

Desta forma, a nota técnica finaliza afirmando que: “percebe-se, com clareza, que a Medida Provisória nº 744/2016, violou, do ponto de vista formal e material, a Constituição Federal”.

Confira o documento