Rita Freire*
Na última sexta-feira (24 ), o Estadão publicou editorial "Debate como eles gostam", sobre audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, “Em defesa da EBC e da Comunicação Pública”. Classificou o evento como "um encontro entre amigos com o objetivo único de chancelar a doutrina do partido ao qual pertencem ou com o qual simpatizam". Seriam "apaniguados do PT", ou a "companheirada petista", a tratar da comunicação pública “com o objetivo exclusivo de espalhar o evangelho do PT".
Estas poucas afirmações e linguajar, para referir-se aos que defendem a autonomia da Empresa Pública de Comunicação (EBC), indicam a perda de pudor de um dos maiores jornais do país, ao rebaixar ao mais tacanho nível de argumentação o jornalismo pelo qual deveria zelar. Editoriais representam a opinião do jornal, o que agrava a injúria e ofende pelo desconhecimento. Por justiça, cada uma das pessoas, órgãos e entidades presentes mereceriam um direito de resposta em igual espaço.
A audiência a que se refere o jornal reuniu, com direito a voz e posicionamentos, 22 parlamentares de sete partidos (PT, PCdoB, PSOL, Rede, PP, SD, PPS) de 12 Estados (RJ, MG, SC, PB, RS, AL, DF, SP, SE, PE, PR, BA) , além de sala lotada por interessados. Três comissões da casa - de Cultura, de Legislação Participativa e de Direitos Humanos , se juntaram para organizar a audiência, dado o interesse em diversas áreas.
Participaram FNDC, FrenteCom, Fenaj e Abepec, redes nacionais de entidades que defendem ou promovem comunicação pública. Falaram representantes do Conselho Curador vindos do Acre, Bahia, DF, São Paulo e Rio de Janeiro. A palavra foi dada a todos os parlamentares e a várias pessoas inscritas. Eram tantas que, houvesse mais tempo, o debate não teria terminado.
Além de vincular toda gama de intervenções feitas na audiência a alguma orquestração do PT, o editorial acrescenta pouco em qualidade. Diz que a EBC está na berlinda, pela disputa entre uma tropa dilmista e Michel Temer. Omite que a razão da audiência foi a violação da Lei por nada menos que o Presidente interino da República, ao exonerar pessoa em exercício legal de mandato. O ato foi revertido por liminar do STF.
A EBC pertence à sociedade e isso incomoda governos, partidos e setores privados que desejam controlá-la ou aos seus recursos retidos. A Lei assegura autonomia por meio da proteção ao mandato do presidente da empresa e do papel deliberativo de seu Conselho Curador. E também por meio de uma Contribuição ao Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), que no entanto nunca é liberada para uso da empresa.
Ao estar vinculada à Presidência da República, seus recursos passam pelas mesmas mãos que comandam a divulgação governamental e distribuem verbas de publicidade para empresas privadas de comunicação. É um ambiente inóspito à natureza pública da EBC, e os últimos anos não foram fáceis. Cortes e contingenciamentos exigiram bravura da EBC para manter sua TV Brasil, oito rádios, duas agências e um portal.
Cabe, ainda, à EBC prestar serviços à NBR, canal do governo, o que leva a uma convivência pouco saudável entre a missão pública e as tarefas governamentais.
Em 2015, o Conselho Curador promoveu um seminário de dois dias, reunindo empresa, governo, universidades e sociedade civil para rediscutir o modelo institucional da EBC. As propostas caminharam na mesma direção: desvincular a EBC da Presidência, e separar a EBC que faz comunicação pública, dos serviços prestados à NBR.
Tristemente, não é o aperfeiçoamento do modelo institucional da EBC que está na mira dos ataques, mas sua autonomia. . O Conselho Curador tem se colocado à disposição para o debate sério e necessário para impedir aventuras no controle da EBC. Não é uma questão de gosto, mas de responsabilidade.
Rita Freire, presidenta do Conselho Curador da EBC até 2 de agosto de 2016 (cassada pela MP 744)